
Neste ano, já morreram em SC três vezes mais pessoas por dengue do que no ano passado. Até 4 de novembro, foram 340 mortos (dois óbitos em investigação) e 350 mil casos. Em todo 2023, foram 98 óbitos e 119 mil infectados, informa a Diretoria Estadual de Vigilância Epidemiológica (Dive) da Secretaria de Estado da Saúde (SES). Em 2024, os vizinhos Paraná (733) e Rio Grande do Sul (281) apresentam números mais baixos.
Historicamente, a dengue ocorria em ciclos endêmicos, com epidemias a cada quatro ou cinco anos. Da mesma forma, acostumado a ver pela TV a doença nas regiões Norte e Nordeste, a população catarinense hoje convive com o Aedes aegypti perto de si. O mosquito não vem mais de fora, pois encontrou condições favoráveis para proliferar no meio urbano e na área rural. Como um forasteiro, se valeu do calor e da chuva, e de forma silenciosa não fazendo ruído fincou suas asas translúcidas dentro do nosso território. Como enfrentar esse inimigo que mede menos de um centímetro, mas pode matar?
Para especialistas, é preciso uma espécie de "choque de ordem" nos gestores públicos e na população. Entenda-se a expressão como assegurar, minimamente, as condições de enfrentamento ao mosquito Aedes aegypti, realizando ações que passam por obras de saneamento, distribuição de repelentes, qualificação de pessoal, campanhas maciças de educação e despertar a consciência da população sobre a gravidade da situação.
- É inadmissível perdermos vidas pela dengue. Isso revela o quanto a saúde está falhando e a necessidade de ações eficazes e urgentes. Além disso, a assistência precisa estar estruturada para que não ocorram mortes - diz Alexandra Boing, epidemiologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Sim, tem razão a pesquisadora. Mas se a população não ajudar, o Aedes aegypti sairá vencedor:
- O poder público tem suas responsabilidades em fazer o enfrentamento com ações no dia a dia, mas as pessoas precisam entender que são parte fundamental nesse combate: é preciso que eliminem locais com água parada. Se cada um fizer sua parte, com certeza a gente diminui o risco, pois existirão menos locais para o mosquito se reproduzir - alerta João Augusto Brancher Fuck, diretor da Dive.
Projeção de pico antecipado
O ano começou desafiador com muitos casos de dengue em SC. As infecções começaram a cair a partir de abril, mantendo uma redução até o final de agosto. Isso projeta uma possibilidade preocupante para dias próximos: é provável que ocorra uma antecipação, em relação ao ano passado, com muitos casos entre novembro e dezembro, e pico entre janeiro e fevereiro de 2025.
- Fizemos acompanhamento ao longo do ano. A preocupação foi aumentando com o crescimento das notificações. A proximidade de dias mais quentes, justamente por causa da condição climática mais favorável, nos coloca atentos ao cenário para vermos o que vai acontecer ainda antes do Natal e Ano Novo - diz Fuck.
A Secretária de Estado da Saúde enumera ações: capacitação, aplicação de inseticidas, abertura de leitos clínicos. Rodam campanhas em multiplataformas, reuniões regionalizadas e firmadas parcerias com o Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado e Defesa Civil.
Outra estratégia é a vacinação. O trabalho, que se iniciou em Joinville e Jaraguá do Sul, foi ampliado para outras regiões. As doses estão disponíveis na Grande Florianópolis e cidades referenciais, como Blumenau e Chapecó. Mas o resultado ficou aquém das expectativas:
- Esperávamos que houvesse maior procura, ficando entre 50 e 60 por cento da população-alvo. Trata-se de uma vacina para quem tem de 10 a 14 anos, gratuita e disponível. É fundamental que as pessoas dessas regiões, que os adolescentes com seus pais e responsáveis, busquem se vacinar porque vai proteger das formas mais graves da doença - diz o diretor.
População tem papel fundamental na prevenção
Para a epidemiologista Alexandra Boing, que coordena da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), organização de apoio ao ensino, pesquisa, cooperação e prestação de serviços no campo da Saúde Pública, além de ações tradicionais, é preciso investir em infraestrutura urbana, como saneamento, e adotar abordagens intersetoriais, envolvendo áreas como meio ambiente, saneamento e urbanismo.
- É preciso um trabalho massivo de conscientização, envolvendo a população de forma contínua e educativa. Iniciativas tradicionais, como aplicação de fumacê e eliminação de água parada, devem ser acompanhadas por inovações e programas educativos para fortalecer o combate ao mosquito de forma sustentável - diz.
Para momentos de gravidade, como o atual, a cientista destaca a importância do papel da população:
- É importante que além de auxiliar na prevenção e na eliminação dos criadouros do mosquito, já que a maioria fica nas casas ou no entorno do domicílio, as pessoas atuem no controle social, cobrando ações estruturais, fiscalizando ações de prevenção e de controle nos municípios.
A pesquisadora da UFSC alerta sobre as ações que precisam ocorrer o ano todo e não apenas concentradas durante o período que ocorre o aumento de casos.
- Existem várias tecnologias que ajudam no combate ao vetor, assim como aquelas que inibem a transmissão dos vírus. Outras práticas precisam ser incorporadas, como a distribuição de repelentes e a instalação de telas.
Em Joinville, recentemente foi implantado o Método Wolbachia, uma estratégia com a introdução da bactéria Wolbachia no Aedes aegypti. A bactéria, presente em cerca de 60% dos insetos da natureza, não causa danos aos humanos. Mas impede que os vírus da dengue, Zika, Chikungunya e febre amarela urbana se desenvolvam dentro dos insetos, contribuindo para a redução dessas doenças.
Maristela Assumpção Azevedo, presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-SC) concorda com a necessidade de um planejamento antecipado. Para a presidente do Coren, é preciso considerar ainda o número insuficiente de agentes de saúde atuando nos municípios.
- Estamos diante de uma doença grave que exige trabalhar com indicadores e pessoas qualificadas. Santa Catarina já teve um forte sistema de educação em saúde junto às comunidades. Mas a terceirização das políticas de saúde levou a um desmonte - aponta Maristela.
Fonte: NSC